Um dos maiores desafios da ciência é decifrar a matéria escura, que apesar de invisível e indetectável, parece estar presente em todo o universo. Na verdade, de acordo com os modelos cosmológicos mais aceitos, ela constitui cerca de 23% da densidade do universo. Mas como ela é formada? Em um artigo publicado este mês na revista Physical Review Letters, uma equipe de cientistas propõe um novo mecanismo que poderia explicar a produção de matéria escura, e a chave pode estar no início do universo.
Embora não seja possível ver diretamente a matéria escura, há fortes evidências de sua existência, graças às medições da radiação cósmica primordial, por exemplo. Essa matéria não interage com a matéria comum de nenhuma forma exceto pela gravidade, então é pelos fenômenos gravitacionais que os pesquisadores podem encontrar algumas pistas.
Em uma galáxia, por exemplo, as estrelas e toda matéria comum orbitam em torno do centro galáctico, onde provavelmente há um buraco negro supermassivo. Estudando o movimento das estrelas e do gás, os astrônomos podem saber quanta matéria tem em uma galáxia, mas o que eles observaram é que essa velocidade é muito maior do que a esperada considerando a matéria luminosa existente nelas. Apenas a existência da matéria escura explica esse fenômeno.
Os teóricos suspeitam que a matéria escura seja feita de partículas invisíveis que não refletem nem absorvem luz — e, portanto, não emitem sinais em nenhuma faixa do espectro eletromagnético, tais como infravermelho, raios-X ou rádio — mas são capazes de exercer a gravidade. Um dos candidatos é o áxion, uma partícula hipotética que tem sido estudada e talvez seja o componente essa matéria escura fria (MEF). Outro candidato é o WIMP (partícula massiva de interação fraca).
Cientistas em todo o mundo realizam experimentos para tentar detectar essas partículas, ou pelo menos conseguir evidências de que elas existam. “Sabemos que a matéria escura está lá fora, mas não sabemos muito mais que isso”, disse o Dr. Michael Baker, pesquisador de pós-doutorado na Escola de Física da Universidade de Melbourne e principal autor do novo artigo. “Se for uma nova partícula, então há uma boa chance de que possamos realmente detectá-la em um laboratório”, afirma.
Se for detectada, a partícula poderá ser estudada e os cientistas estimarão sua massa e formas de interação. Pode parecer estranho fazer experimentos para tentar encontrar uma partícula que nem sabemos se existe mesmo ou não, mas essa pesquisa é fundamental para entendermos melhor os mecanismos físicos do universo, como, por exemplo, as forças gravitacionais que organizam as galáxias e as mantém da forma que vemos hoje.
A equipe de Baker está dedicada a esta tarefa, e descreveu no artigo como bolhas em expansão no início do universo podem ajudar a entender a matéria escura. “Nosso mecanismo proposto sugere que a abundância de matéria escura pode ter sido determinada em uma transição de fase cosmológica”, explicou o Dr. Baker, referindo-se às etapas de evolução do universo logo após o Big Bang.
No início do universo, houve uma série de transições entre uma fase e outra, cada uma transformando o cosmos de maneira radical enquanto o universo se expandia rapidamente. De acordo com a equipe, essas transições “podem ser semelhantes às bolhas de gás se formando na água fervente”, exemplifica Baker. “Mostramos que é natural esperar que as partículas de matéria escura tenham muita dificuldade em entrar nessas bolhas, o que dá uma nova explicação para a quantidade de matéria escura observada no universo”.
Com essa dificuldade de entrar nas bolhas em expansão, a maioria das partículas de matéria escura é refletida e rapidamente aniquilada. As bolhas se fundem quando a transição de fase se completa e apenas as partículas de matéria escura que obtiveram sucesso em entrar nas bolhas serão capazes de constituir a matéria escura “observada” hoje. Este seria o mecanismo que produziu a misteriosa matéria, de acordo com a equipe de Baker.
A pesquisa pode ainda não revelar a partícula que forma a matéria escura, mas aponta para um caminho onde procurar e fornece estratégias experimentais para a busca pela matéria escura. Não só isso, mas também oferece meios de procurar por matéria escura para massas mais pesadas do que qualquer matéria que fosse formada por WIMPs, por exemplo. Isso porque a proposta do artigo funciona para partículas muito mais pesadas do que a maioria dos outros candidatos, como o WIMP.
Fonte: Sci-News